Discurso do Presidente da República no Arco Maior

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Publicado em September de 2017

Discurso do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa na sua visita ao Arco Maior, no dia 22 de setembro de 2017.

 

Caríssimas amigas e caríssimos amigos.

 

Queria antes de mais, penso que estão todos de acordo, dar uma palavra especial àqueles que começaram por tornar possível este Arco Maior. É o caso da SCMP, e depois também da SCMG, uma vez que ofereceram as casas. E, de uma forma muito especial, temos aqui um grande entusiasta desta obra, que é o Sr. Alexandre Soares dos Santos e toda a família. Por ele esta ideia, às vezes tão rara em Portugal, que é a de quem sobe na vida, tem sucesso na vida e tem condições para poder tornar a vida dos outros mais feliz, empenhar-se em torná-la mais feliz.

 

Noutros países há muita essa tradição, em Portugal não há muito. São poucos, são uma dúzia, duas dúzias, três dúzias. Não é que outros não façam, à sua maneira, mas não fazem com esta dimensão. O Sr. Alexandre Soares dos Santos, vocês nem imaginam o número de ideias de projetos, de sonhos que lançou e alimentou desde o Banco Alimentar Contra a Fome até projetos em todo país. Ele não diz e não se sabe. Eu venho fazer esta homenagem agradecendo este lado da sua ação, não é um lado só de empresário, embora os empresários também tenham de ter esse lado, é o lado da pessoa. Ele está aqui parece um menino, a vibrar convosco, parece que tem a idade destes jovens. Está entusiasmado como se tivesse a vossa idade, isso é bom, assim nunca mais é velho.

 

Mas depois temos pessoas que são fundamentais para isto, está aqui à minha direita o Professor Joaquim Azevedo, que deve de ser das pessoas em Portugal que mais sabe de educação, do contacto entre os mais velhos e os mais novos, na escola e fora da escola. Ele sabe, ele investiga, ele conhece, conhece-vos a todos pelo nome, já sabe antes os que vêm a caminho [referência a jovens grávidas presentes], para além dos que já cá estão. E depois eu alargaria a todos os professores e professoras. Eu sou professor e acho que é a coisa verdadeiramente mais importante da minha vida. Quando perguntam, às vezes “o que é mais importante, ser Presidente ou professor? “Eu digo: professor”. Pois professor é para toda a vida e presidente são só cinco anos. Os cargos políticos vão e vêm. O ser professor é toda a vida, uma paixão. Portanto, eu compreendo as professoras e os professores que aqui estão e muitos outras e outros em todo o país. Mas estes próximos de vocês, conhecem os nomes, as manias, as qualidades, os defeitos, têm paciência.

 

Eu uma vez tinha um programa de rádio em que tinha de falar um minuto antes da meia-noite. Tinha aulas até perto da meia noite e ia a correr para fazer o programa de rádio. Já lá vão 40 anos. Um dia eu tinha estado todo esse dia a fazer exames, provas orais, tinha começado às 9h da manhã e tinha acabado às 10h30 da noite, tinha feito aí cerca de trinta e tal provas orais. Cheguei lá, não sabia do que havia de falar, falei disto: disse assim “toda a gente diz coitado do aluno, coitado do aluno, que teve ali uma seca, à espera de fazer o exame, a ouvir os outros e a pensar “eu também vou ter de responder, será que vai correr bem ou correr mal?”, e, se tiver o azar de ser o último a fazer à noite, sofre o dia todo. Ou à tarde, sofre de manhã e uma parte da tarde. E ninguém diz “coitado do professor”. Um professor tem de fazer 20 exames e tem de estar fresco no vigésimo como se fosse o primeiro, não pode estar cansado senão é injusto, senão trata mal, ele não pode culpar o vigésimo, ou o décimo quinto, ou o décimo segundo pelas asneiras que ouviu ao sétimo, ao oitavo e ao nono, tem de inventar perguntas diferentes para todos e que não podem ser muito diferentes também. Se forem muito diferentes começa a introduzir diferenças para todos. Ninguém pensa “coitado do professor ou coitada da professora que lá está todo o dia…”

 

Bom, dito isto, vamos a vocês. Vocês são excecionais!

 

Vocês nem têm ideia de como são excecionais, porque há quem tenha a sorte de nascer, começar a viver no lado com mais sol, o sol quando bate numa rua é raro que haja sol de modo igual nos dois lados da rua, há prédios, há sítios onde há sombra, onde há sol, depois muda, vai mudando ao longo do dia, mas há ruas e passeios onde nunca há sol, só há sombra.

 

De facto, há pessoas que nascem com oportunidades que outros não têm. Eu digo isso à vontade porque nasci no lado de ter tido oportunidades. Eu dou muito valor àqueles que chegaram ainda mais longe do que eu cheguei, tendo nascido do lado da rua onde havia sombra, onde não havia sol. Tiveram de fazer escolhas e às vezes fizeram uma vez, duas vezes, três vezes, uma vez deu certo, uma ou outra não deu, houve altos e baixos. Eu vou sabendo disso porque tenho acompanhado de muito perto os sem abrigo, os mais jovens e os menos jovens que andam nas ruas. Cada caso é um caso, mas há um momento em que a pessoa diz: eu vou dar-me uma nova oportunidade. E aí aparece alguém que ajuda com essa nova oportunidade, pois há quem queira uma oportunidade e não se tenha cruzado com quem o ajudasse. Vocês cruzaram-se, cruzaram-se porque também quiseram cruzar-se.

 

É uma situação difícil, que eu admiro, não tendo estudado nem tendo trabalhado (como muitos jovens Nem Nem, em Portugal; umas estatísticas dizem que são 20% (acho demais), outras 12% (provavelmente é certo) e é muito, pois estes 12% na realidade estudar não estudam, mas também não têm condições para trabalhar, arranjar um trabalho, estes são chamados os Nem Nem.

 

E esses Nem Nem [se forem como vocês] se voltarem a estudar e depois trabalharem e ao mesmo tempo estudarem e trabalharem e ao mesmo tempo tiverem filhos e filhas…. Vocês não ouviram, mas aqui a Marta tem um filho, o Tomás, lindíssimo, e depois há outros que trabalham, trabalham nos sítios mais variados, como o Júlio, ele não disse, mas trabalha numa confeitaria, ao balcão, vai aprendendo a lidar com as pessoas, como tudo na vida.

 

Cada caso é um caso, cada um de vocês é um caso, é a vossa vida. Vocês são excecionais estão a dar passos fundamentais na vossa vida. Aqueles que eu elogiei em primeiro lugar têm o mérito de vos ajudar, mas ninguém ajuda ninguém que não quer ajuda, que não quer ajudar-se a si próprio, ninguém ajuda ninguém que não quer ajudar-se a si próprio. O mais importante é vocês quererem ajudar-se a si próprios. É essa a força do vosso exemplo.

 

E eu que fui um privilegiado admiro aqueles que não foram privilegiados. Têm o mérito muito maior que o meu. Eu posso ter sido eleito Presidente da República, mas o vosso mérito é superior a uma eleição presidencial.

Agora não deitem fora…. Aproveitem! Aproveitem o Arco Maior, aproveitem que estão a estudar, aproveitem estas professoras e professores, aproveitem aquilo que estão a construir todos os dias. Em alguns casos aproveitem por vocês e em alguns casos aproveitem já pelos vossos filhos e filhas. Já não são só vocês, são as crianças que têm ou que vêm a caminho. Por elas e por vocês vale muito a pena.

 

Por isso está de parabéns o Arco Maior. E por isso sinto-me muito feliz porque, num dia cheio de boas notícias, em que de manhã estive a inaugurar uma fábrica, depois uma exposição e tudo isso é muito importante … mas o momento mais importante do dia foi este, convosco.