Princípios

Resumimos em oito pontos os princípios que norteiam o projeto socioeducativo Arco Maior, conferindo-lhe coerência e sentido: o projeto de vida, o diálogo, a largueza, a ternura, a autonomia, as capabilidades, a familiaridade e a liberdade.

O projeto de vida: olhar para a afrente, deixar o passado lá atrás, sem recriminações, sem etiquetas ou acusações, queremos acompanhar a (re)construção de projetos de vida. São processos mais ou menos lentos, por vezes até dolorosos, mas os educadores do Arco Maior estão ali para acompanhar, dar a mão, nunca desistir, comer do mesmo pão, fazendo caminho (é isso que etimologicamente quer dizer acompanhar). O nosso olhar assenta no reconhecimento de cada jovem: é preciso conhecê-lo de novo e que ele(a) também se re-conheça e nesse processo reconstrua o seu projeto de vida.

O diálogo interinstitucional e interprofissional constitui a antecâmara da cooperação. Sem cooperação entre os diversos profissionais e entre as diferentes entidades será impossível criarmos uma resposta de qualidade para cada adolescente. Os problemas que eles transportam, travestidos tantas vezes de roupagens escolares, são, as mais das vezes, espelhos de dramas familiares, socioeconómicos, culturais, um statu quo de violência e caos. Esta cooperação é exigente, porque requer uma postura de abertura e construtiva, de reconhecimento mútuo entre os profissionais e entre as instituições. Requer humildade pessoal e institucional e a consciência clara de que sozinhos podemos pouco e de que juntos, mesmo assim, pouco podemos, se não formos capazes de desencadear a determinação de cada um dos que nos procuram. E aí o diálogo, de novo, volta a ser determinante, como condição de reconhecimento.

A largueza: funcionaremos sempre em casas de pedra e tijolo, mas seremos uma dinâmica socioeducativa elástica, plástica, de porta larga, com o maior arco que se avista, capaz de acolher cabeçudos, atarantados, revoltados, com revoltas pessoais do tamanho da maior praça da cidade, adolescentes desiludidos, perdidos, frustrados, gente de braços grandes e gente sem braços, de pernas agigantadas, de olhos suspensos e quadrados e de dedos mínimos, de barrigas grandes e sem barriga, de falas tortas e de nenhumas falas…aqui, dentro desta largueza e deste horizonte, inscreve-se a relação e o cuidado, estabelecem-se os limites e concede-se o necessário apoio, exigente, cuidadoso, amoroso, para o desenvolvimento humano.

A ternura: esta proposta socioeducativa tem a marca do laço que ata e desata, porque aqui nada do que é humano e relacional aqui fica para terceiro plano, nem sequer em nome das “aprendizagens escolares” do dito ensino "regular"; aqui vigora e reina a “fortaleza dos laços frágeis” (retomando Ganovetter), do amor e da dádiva dos professores-formadores-animadores; prevalece o diálogo, a exigência e a fortaleza do que dá luta, do que revigora, do que tempera. O amor tudo pode, tudo vence; o amor não é lamechas, o amor não é invertebrado, o amor é o tempero. A ternura cura, aprendemos isso todos os dias. O maior bem do ser humano e o nosso maior bem educacional é relacional, tudo o resto é acessório e coadjuvante.

A autonomia: a proposta educativa - e também escolar - que é feita a estes jovens e aos seus “desviados” comportamentos tem de ser trabalhada caso a caso e construída a par e passo, sob o lema da leveza, alicerçada numa aventura que os professores e formadores orientam com rigor e determinação, procurando sempre, até encontrarem, com cada jovem, as pedras onde cada um(a) possa fixar os seus próprios pés, as alavancas que poderão proporcionar-lhes crescer na sua identidade, autoestima, autonomia e na sua capacidade de reinserção escolar e socioprofissional. Ninguém faz este caminho por alguém, por mais que o ame e por mais que o deseje. Ninguém faz este caminho sozinho, como bem formulou Paulo Freire.

As "capabilidades" (um conceito usado por autores como A. Sen ou M. Nussbaum) de cada um(a) são o nosso foco. Estes jovens aparecem no Arco Maior muito marcados por listagem de incapacidades e por acumulação de insucessos e reprovações. Nós focamos os nossos olhos nas capabilidades (gostos, aptidões, interesses, forças, saberes,...)

 

A procura, a identificação e o desenvolvimento dos talentos que moram em cada um, as mais das vezes escondidos, adormecidos ou esquecidos e até repudiados, deve contar com o apoio de todos os adultos e educadores intervenientes e tem de ser obra sobretudo de cada adolescente e jovem. Esperam-nos, por isso, situações e dilemas de difícil resolução, uma procura permanente que ajude cada um(a) a reconstruir um projeto para a sua vida.

A família deve estar sempre no coração da presença temporária dos adolescentes no Arco Maior. Primeiro, a família biológica, que deve ser sempre envolvida e “recuperada” pela tessitura de laços que são feitos pelos seus técnicos e educadores. Em segunda instância, na ausência desta, as famílias de substituição (ou adultos de referência ou “padrinhos”, as instituições de acolhimento e os técnicos de Segurança Social e dos Tribunais) e, finalmente, o próprio Arco Maior, uma nova “família”, na medida em que cria uma nova casa e um ambiente com novos laços e vínculos, o mais acolhedor possível e estimulador do desenvolvimento de talentos e da autonomia pessoal.

A liberdade: cada professor e formador pode e deve, em liberdade e com responsabilidade, criar as condições para que cada adolescente possa construir aqui um novo  projeto para a sua vida, um itinerário pessoal e social em que verdadeiramente acredite, com a máxima liberdade e a máxima autonomia possível, sempre em trabalho cooperativo em Equipa Pedagógica. O Arco Maior é o espaço e o tempo dos recomeços, da esperança, sem moldes prévios..